Incêncio no Museu Nacional: um necessário “mea culpa”

Museu Histórico Nacional - Crédito: REUTERS/Ricardo Moraes
Museu Histórico Nacional – Crédito: REUTERS/Ricardo Moraes

Em relação ao incêndio ocorrido no último domingo no Rio de Janeiro, além de uma profunda tristeza pela destruição de um enorme patrimônio, que jamais poderá ser recuperado, vivenciei uma sensação de grande vergonha e frustração. Viajei por vários países, visitei diversos museus, mas nunca fui ao Museu Histórico Nacional.

A bem da verdade, há tempos não faço uma viagem decente ao Rio de Janeiro. Ultimamente estive apenas de passagem, entre um voo e outro, tempo insuficiente para rever vários e grandes amigos que tenho na cidade. O medo da violência me afastou de lá. Não apenas a mostrada na mídia, mas principalmente a que é cotidianamente relatada pelas pessoas que conheço e lá moram.

Já passei vários carnavais em terras cariocas, nas ruas, nos blocos, no Sambódromo. Prolonguei vários finais de semana, estiquei diversos feridos. Mineiro adora uma praia e o Rio foi, por muitos anos, meu destino preferencial. Mesmo assim, nessas várias oportunidades, nunca me dignei a ir conhecer aquele que era o maior museu de nosso país.

A ideia de que se pode ir “a qualquer hora” acabou me demovendo de ir conhecer o local. “Quem sabe da próxima vez?” Esse tipo de pensamento afasta os moradores de uma cidade de seus bens preciosos. Morador de Belo Horizonte, por exemplo, eu só vim a saber da existência de Inhotim há uns dez anos, através de um amigo português, que atravessou o Oceano Atlântico para conhecê-lo. Inúmeras vezes perguntei a algum morador local (no Brasil e fora dele) a respeito dos lugares famosos que pretendia visitar e recebia informações com a ressalva de que “eu mesmo, que sou daqui, nunca fui lá”.

Pois bem, por descuido, por descaso, por abandono, dois séculos de nossa jovem História se reduziram a cinzas. Muito trabalho de pesquisa do Museu Nacional foi jogado no lixo. Obras, registros, animais, múmias, documentos, quase tudo virou pó. Não me cabe aqui especular de que, ou de quem, é a culpa. O fato é que fomos incapazes de sequer preservar grande parte daquilo que mostra porque somos o que somos nos dias de hoje, como chegamos até aqui e para onde poderemos ir daqui pra frente.

Sem sacanagem, este incêndio é o esculacho levado ao extremo. Agora não dá mais pra remediar. A falta de cuidado com a nossa identidade, com as raízes da nossa História e com a memória cultural do nosso povo é um sinal tenebroso da nossa situação como nação. Muito me espanta onde estamos. Quero não perder as esperanças sobre para onde poderemos chegar.

O sentido de identidade nacional é algo tão intrinsecamente enraizado no ser que é até difícil definir. Conheci museus maravilhosos ao redor do mundo, na América Latina, nos Estados Unidos, na Europa, no Oriente Médio. Não tem Mona Lisa no mundo que ocupe o lugar de Luzia, o mais antigo fóssil humano das Américas, que se perdeu no incêndio.

Como viajante, me entristeço de ver que é mais fácil e barato ir a Buenos Aires que ir para o Pantanal, ou de ver que uma passagem a Miami costuma sair mais em conta que uma para o Nordeste – mesmo com o dólar nas alturas.

Sempre tive orgulho de ser brasileiro, carrego na pele a bandeira de meu país, e de certa forma estas chamas do também ardem no meu peito. Um nome pra isso é arrependimento, de nunca ter ido ao Museu Nacional, e hoje saber que não terei mais oportunidade de fazê-lo. Mea culpa.

O fogo que comoveu a nós, brasileiros, também lançou luzes naquilo que temos de pior, de mais mesquinho e desleixado. Que este episódio sirva de alerta para nosso povo de memória tão curta, sobre as escolhas que fazemos e os rumos que tomamos. Do contrário, como aconteceu ao acervo do Museu Nacional, só nos restará mesmo o meteoro, pelo qual muitos já clamam.

Conheça o site oficial do museu.

Bendegó, o meteoro- Foto: Reprodução/ TV Globo

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